Das muitas relações entre pessoas, a mais complexa e a mais confusa, certamente, é a relação matrimonial. Porque para todas as outras existe uma estrutura adequada ao conteúdo, mas, para a relação matrimonial, a estrutura está em desarmonia flagrante com o conteúdo.
Os laços de afetividade entre um homem e uma mulher não resistem aos trancos de uma estrutura arcaica e inadequada aos novos tempos porque simplesmente não houve uma evolução no pensamento e nem uma tomada de consciência matrimonial.
Esta relação matrimonial é regida por um conjunto de Leis que, salvo alguns avanços, continua sendo inspirado pelo princípio patriarcal, ou seja, o homem é o chefe da sociedade conjugal, apesar da discutível igualdade determinada pela Constituição Federal do Brasil E por que esta relação que é tão simpática de início, que goza da reputação quase santificada e que, constitucionalmente, é a base da sociedade, fica perdida num labirinto de angústias e aflições?
Porque tudo indica, tanto o conhecimento mítico quanto o histórico, no que respeita à base cultural do Ocidente, isto é, o mundo greco-romano, piorado muitas vezes pelos desdobramentos medievais, que o homem tem um medo tenebroso da mulher, porque desde os primórdios da humanidade ela se apresenta, aos seus olhos, como se um demônio fosse. Dois são os motivos básicos de tal medo.
O primeiro, refere-se àquele sentimento antigo de virilidade e potência masculinas que, obviamente, não podiam ser disfarçadas. A virilidade e a potência sexuais não podiam ser colocadas em xeque. Para os homens antigos e para tantos outros da atualidade, completamente despreparados ou mal-influenciados, a situação masculina não pode ser frustrada. Daí porque textos da mitologia grega e, por plágio, romana, apresentam a mulher sexualmente ativa e dominante, aquela que procura o homem e o desafia, como inadequada, tendo que ficar em redutos “idealizados”.
Não é de causar estranhamento que uma das propostas de Platão era a de constituir-se uma comunidade de mulheres que serviriam unicamente ao propósito de reprodução. Também, entre os gregos e romanos e, outra vez, entre os medievais, a mulher não poderia participar de quaisquer atividades públicas.
Não é à-toa que o período medieval vai inspirar e influenciar em certa medida todo o movimento romântico europeu, no qual a mulher é vista como deusa ou como estrela. Deusa e, assim, intocável. Estrela e, assim, inatingível.
Também, não causa estranhamento que os perfis femininos são desenhados e acabados na Idade Média: ou a mulher é Lilith, a sensual e ativa; ou a mulher é Eva, a pecadora; ou a mulher é Maria, a mãe. Se é uma, não pode ser outra!
É neste ponto que o homem passou a controlar a vida da mulher. A mulher deve ser aquela que ele quer, que ele escolhe e que ele procura, pois assim, jamais será frustrado sexualmente. A mulher deve, também, ser aquela a quem o homem possa acusar dos males do mundo.
Por isso mesmo, a partir da rejeição de Lilith, a mulher adequada ao homem é Eva: a que foi feita a partir do homem. Culpada eternamente da maldição divina com o fim da vida edênica, e, igualmente, culpada por ter gerado e dado o nome, ao primeiro homicida da Terra: Caim. E assim, como culpada, deverá submeter-se ao homem, e aceitar um regime patriarcal de casamento.
Deverá abandonar o seu nome e adotar o nome de seu marido (a marca do seu dono). Situação humilhante que só não será pior, porque o homem concederá a ela desenvolver uma face singular: a de Maria, a mãe.
Obviamente, que todas estas leituras acerca da mulher são equivocadas e feitas, não à partir da Torá, mas da base grega e romana, pilares da religiosidade medieval. Pois, qualquer que se dobrar em uma leitura atenta e, sem entulhos, da Torá, verificará que a mulher ali nada tem a ver com os conceitos de Lilith, de origem persa; de Eva ou de Maria, de origem e desenvolvimento católico-protestante.
E nem falarei aqui do conceito da mulher vista pelo ângulo muçulmano, ao menos, por agora!
O segundo motivo é o grau de sensibilidade e inteligência, que na mulher é muitas vezes superior ao do homem. Normalmente, o homem é apenas força bruta e muscular, rispidez e ignorância. E para sustentar a força bruta, está condenado a levantar barras de ferro, cada vez mais pesadas e, igualmente condenado, a comer, incessantemente, como um boi diante do cocho.
Ao contrário, a mulher para sustentar a sensibilidade e a inteligência, em vez de musculatura, possui um tecido epitelial que capta quaisquer brisas, e, em vez de cocho, está sempre diante de uma mesa delicadamente preparada.
O homem é relação pornográfica, a mulher é relação poética ! Assim, considerados esses aspectos, que caracterizam o homem e a mulher, é fácil compreender os conflitos de uma relação matrimonial (que na verdade é patriarcal).
A estrutura é para o serviço do homem, para atender o homem, mas não suporta a redescoberta e o renascimento da mulher nestes últimos anos. A atual estrutura não suporta, por exemplo, uma mulher que se descubra na Torá, que perceba os valores e aspectos das nossas matriarcas e que exija, entre outras coisas, ser tratada como aquela amada de “Cânticos dos Cânticos, de Sh’lomo”.
Por um outro lado, é preciso que o homem se convença do equívoco na leitura da mulher e dos conceitos em relação a ela desenvolvidos, assim como, dos preconceitos. Cabe aí uma redescoberta criadora de ambientes propícios para o seu desenvolvimento; refiro-me à redescoberta da mulher pelo homem, não como “algo”, ou uma “coisa”, ou um “espírito”, mas uma pessoa completa. Ou, simplesmente, da descoberta de que ela é gente apenas ao seu lado.
Assim, falta ao homem uma melhor leitura, sobremodo, da Torá, não com olhos greco-romanos, mas judaicos! Porque após milênios de patriarcalismo sufocante, religiosidade machista, o resultado é que a mulher reapareceu com todo o seu vigor poético, com toda sua sensibilidade e com toda sua inteligência determinante, e encontrou o homem contemplando, ainda (e por desgraça), os seus próprios órgãos.
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